Copo Meio Cheio

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E de repente já cá estou há três meses.

Três meses que parecem há imenso tempo, mas que também parece que ainda agora cheguei.

Três meses cheios. De experiencias, de pessoas, de emoções.

É difícil escrever sobre algo que ainda se está a viver. E ainda pior tentar tirar conclusões nesta fase do campeonato. Mas nestes três meses já aprendi muita coisa. Aprendi a ser um bocadinho Chilena, aprendi outra forma de fazer as coisas. Fiz novos amigos. E engordei uns quilos no processo. Mas sobretudo mudei bastante a minha visão sobre o que é ser voluntária.

É que há um desejo infantil de mudar o mundo que vem com uma experiencia assim. Chegar cheia de ideias, sem conhecer ninguém. Chegar cheia de certeza, sem conhecer a realidade. Chegar cheia de conceitos, de certos e errados, de necessidades e futilidades, sem saber que há outras formas, que há outros certos.

Quando cheguei, achei que não tinha expectativas. Ainda agora não sei nomea-las. Mas no primeiro mês percebi que as tinha. Porque era tudo diferente do que imaginava.

Porque, apesar de ser voluntária há muito tempo, vir para fora, parece mais significativo. Parece que é mais importante. E que por isso o nosso impacto vai ser maior. Mas na verdade, não é de maior e melhor que se faz uma experiencia destas. É de viver e estar e dar sem querer ser mais que alguém que vem dar uma mãozinha. É conhecer e respeitar. Deixar-se surpreender pela novidade, pela diferença e reconhecer a riqueza disso.

Ser voluntária não é tirar fotografias com as crianças “pobrezinhas” e estar num continuado estado de êxtase. É conhecer as pessoas, gostar delas e perceber que são tão mais que qualquer rotulo que as defina. Que algumas podem ter situações de vida bem complicadas, mas que nunca vão ser reduzidas ao rotulo da sua situação económica. Porque têm nome, têm qualidades e ambições. Porque são pessoas e não ideias.

Ser voluntária é ficar contente com as pequenas vitorias. Nossas e as dos outros. Porque agora os outros são nossos amigos. É ficar triste com a injustiça que se conhece. É agradecer a vida que se tem. A familia e amigos que nos apoiam. E saber que uma estrutura de familia sana e cheia de amor é a nossa maior sorte.

Ser voluntária é ser a mesma pessoa que eras. Com dias embirrentos, cansaços, e alegrias. É reconhecer que algumas coisas têm que ser mais trabalhadas. Outras mais valoradas. E que outras, vão ser assim toda a vida.

Ser voluntária, é reconhecer que quatro ou cinco meses é pouco. Que vão ser maiores os beneficios que recebemos que aqueles que deixamos. Não somos heróis. Não viemos salvar o mundo. Somos apenas mais um par de mãos e de ouvidos. Somos uma interrupção na vida destas pessoas. Porque esta é a vida delas, é o seu mundo. E não um momento da nossa vida.

Ser voluntária é saber que o eu individual não vale nada. Que sozinha, não acontece nada. Não muda nada. Mas em comunidade, trabalhando em equipa,  se pode fazer toda a diferença.

Ser voluntária é saber que há mais mundo, é pôr cara no colectivo “pessoas”. É passar a ter um mundo de gente connosco. Passar do abstracto e do simplificado  para o complexo e concreto, do menos para o mais. Trocar as certezas por as possibilidades. Ouvir mais. E ter menos convicções. Porque há um mundo de mais. Há um mundo de diferente.

Porque ser voluntaria é saber que não vais mudar o mundo. Mas que podes fazer a tua parte.

 

 

 

Aprender a ver

Lembro-me bem das longas aulas de desenho passadas a desenhar panos. Panejamentos atrás de panejamentos que eu detestava desenhar. Dificilmente é algo que me interesse – e nem acho particularmente bonito qualquer desenho de panos.

Depois vieram as aulas de modelos – pintura a óleo – e ao contrario do que o nome indica o nosso primeiro “modelo” foram novamente panos. Lembro-me daquela sensação de revirar os olhos e pensar “Outra vez não.” Para além do puro exercício de desenhar e pintar panos sozinhos – este era elemento obrigatório em todas as outras pinturas e que os professores insistiam em incluir mesmo nas pinturas de corpo humano.

O meu ódio aos panejamentos não desapareceu – mas é de facto um exercício interessante para uma prática visual. Sim está claro que na pintura e no desenho, qualquer objecto ou pessoa tem que ser visto de outra maneira. Mas por algum motivo os panejamentos são um clássico. É que quando se põe um pano branco à frente de uma pessoa para o pintar – é de facto preciso olhar outra vez para notar que nem só de branco o pano é feito. Que dependendo de onde está, há que por cor de laranja ou roxo ou azul; ou todas essas cores para realmente pintar o pano branco.

Estas aulas ensinaram-me a ver – realmente ver. Infelizmente ensinaram-me a ver só as cores, as sombras, os traços…


Hoje fui fazer visitas aos velhotes. Estas semanas andei a fazer o reconhecimento. Visitei várias casas, conversei com muitas pessoas. Mas tudo um pouco mais superficial. Hoje fui, com a Tere, uma das senhoras pertencentes à pastoral social que está comigo a fazer as visitas, visitar três das pessoas que vão fazer parte da rota semanal.

Já tinha entrado nestas casas. Já tinha conhecido estas pessoas. Mas hoje parece que as vi melhor. Pelas histórias, pelos detalhes. Voltei para casa, na pesada bicicleta, e vim eu também um pouco pesada. Triste por estas pessoas.

Pelo senhor que vive completamente sozinho, que é amargurado e fala sem parar. Que pela vida que teve, pelas suas escolhas talvez, acaba assim, numa casa, onde ainda não entrei, mas que pela fachada, tenho até medo de conhecer. Com um ar tão abandonado como o próprio senhor.

Pela senhora que viuva que vive com o seu companheiro numa casa sem tecto, e sem chão. Que tem um quarto com um tecto de metal, uma “sala / cozinha” com uma rede a tapar o céu. Que agradece o companheiro, que ao contrário do ex-marido não lhe bate, e porque tem comida. Mas que tem sete filhos zangados com o facto de não estar sozinha. Que quase que chora quando nos conta que a mãe morreu à nascença, que o pai não a quis, e o tio que a criou morreu quando ela tinha onze anos. Altura em que saiu para trabalhar. E que ainda assim teve muita sorte na sua patroa que a tratou como filha.

Pelo senhor, de cadeira de rodas, que vive com a vizinha, que começou a dormir no chão para que o senhor dormisse na sua cama. Numa casa escura feita de tábuas de madeira, que deixam apenas luz entrar pelas frechas mal fachadas destas paredes.

Mas também triste comigo que só hoje vi estas pessoas melhor. Desde que cheguei ao Chile tem sido assim. Sim, vejo. Sim, sei. Aliás antes de vir já sabia. Sempre soube. Mas hoje senti, que nunca tinha visto. Que nunca tinha olhado. Hoje vi, realmente vi, como esta gente vive. A injustiça da vida. Que já conhecia. Que já sabia. Mas que apesar disso nunca tinha visto.

Pode parecer estranho, mas há uma certa reestruturação de conceitos do que já conhecemos. Durante a formação tive alguns momentos de repensar conceitos. Agora estou a viver a mudança desses conceitos, dessas ideias.

Noutros assuntos, o próximo post já vai ter fotografias!!!

Fun facts #3

  • Por cada gato vadio em Istanbul, aqui há um cão. Para quem não conhece a cidade turca isso significa que há MUITOS. A maioria, relativamente bem tratados. Apesar de preferir cães, confesso que não me deixo de assustar com o ocasional ladrar.

 

  • Ironicamente cá em casa há um gato. E existe uma relação de amor-odio com ele: Amado pela Ir. Maria – odiado pelas restantes. [Chama-se “menino” – eu feita parva demorei a perceber que menino não vem de menino, já que em espanhol se diz niño (pois, eu sei) – aparentemente esta é a forma como se trata os gatos, logo, no fundo, é um gato sem nome]

 

  • Mais ou menos pelas duas horas da tarde sente-se um mini terramoto. Mini, mini. Mas não é terramoto, nem temblor. Explosões das minas. Continuamos à espera que apareça um mineiro a pedir almoço. Parece que Tierra Amarilla tem os dias contados – já que aqui por baixo há milhares de túneis.

 

  • Sempre quis viver numa cidade onde me pudesse deslocar de bicicleta. Parece que o meu desejo se realizou. Mas o meu novo “veiculo” é pesado e tem o banco mais duro da história. Conclusão, já estou dorida antes se quer de sair de casa (literalmente), e chego a bufar a todo o lado. (#pobreemalagradecida  — #aminhacondiçãofisicaécronicamentemá )

Fun Facts #2

  1. Por aqui somos todas realeza – e não há cá princesas – todas rainhas – nas bombas de gasolina, na loja da fruta, onde quer que se vá vai sempre sair aquele “¿Algo más mi Reina?”
  2. Parece que alguém se esqueceu de me avisar que aqui vivem as famosas Viuvas Negras. Achei que era uma piadola quando a Ir. Ana se riu da minha cara [muito ligeiramente] assustada ao ouvir isto. Mas a Ir.Maria, que com os seus 85 anos, não me iria mentir confirmou – de facto há e não são poucas. Após quase um mês a viver aqui fui avisada para até sacudir a roupa antes de a vestir. Quando ao desligar a luz vi uma aranha pelo canto do olho, do tamanho da minha mão, que não me pareceu ser uma das mais temidas, confirmou-se o facto – elas andam ai. [o tamanho pode ser um exagero]
  3. Aqui há maquina de lavar a roupa – mas não há esfregonas. Uma vassoura com um trapo é o que se usa por estas bandas. Não – não é igual.
  4. Os chilenos têm expressões para tudo – de tal forma que há dicionários de “Chilenismos”. A Ir. Antonia emprestou-me o dela.
  5. Não só já fui correr três vezes como duas das vezes me levantei mais cedo para isso. Não, não estou doente. Vamos ver se é desta que começo a “gostar” de correr. Também não estou confiante

Obrigações

Ontem depois da festa de anos do Javier – um dos jovens do grupo de jovens – e de ter comido gelado, bolo, batatas fritas, pão e mais bolo (que estava maravilhoso), fomos deixar a Nicole a casa.

Note-se que não comi mais bolo na festa porque não era fisicamente possível.

A mãe da Nicole convidou-nos a sentar e a tomar chá – e queque e pão.

Eu ainda cheia dizia que não podia comer. E que a este ritmo sair do Chile a rebolar. A sua reposta foi a seguinte: “Aqui no Chile, quando nos oferecem algo, temos que aceitar”.

Quando cinco minutos depois me voltou a oferecer queque – já sabia qual era a resposta certa.

E assim comi, com ajuda do chá.

E é por isto que vou ter que pagar um segundo bilhete de avião – mas também por isto gosto do Chile.